A doença "dependência química"

Sim, dependência química é uma doença. Reconhecida pela OMS como tal, tem causas diversas, e não tem cura. É tratável, sim, pode ser mantida sob controle. Mas uma vez dependente, sempre dependente. Da mesma forma que um diabético tem que, a vida inteira, controlar a sua taxa de açúcar, ou um hipertenso tem que controlar sua pressão, o dependente tem que controlar sua vontade, sua compulsão. E não só dependente químico não, mas aquele que tem compulsão por compras, por jogos, por chocolates. Muitos sabem disso, mas mesmo dentre estes, há aqueles que consideram o dependente como sendo um "sem vergonha", um "sem caráter". O preconceito é imenso!!! E não é fácil para ninguém que tem um dependente químico em casa, ouvir os outros chamando de drogado, maconheiro, delinquente. Dói!

Ok, eu reconheço que também falei desta forma muitas vezes, a ignorância sobre o assunto leva a isso. Também não nego que a dependência química acaba contribuindo para desvios de caráter, até mesmo porquê a maior parte das drogas é ilegal e, para obtê-las, o dependente precisa procurar por criminosos, lidar com eles. A necessidade, cada vez maior, de consumo do álcool ou da droga, faz com que o dependente perca completamente a noção do certo ou errado. Ele só enxerga a sua vontade, a sua "fissura", e é capaz de qualquer coisa para saciá-la. Roubar, traficar, prostituir... os limites somem totalmente! Mas, ainda assim, o dependente é um doente, que precisa de ajuda.

Outro dia, em uma reunião do Amor Exigente, ouvi uma comparação muito interessante, e que faz pensar. Se uma pessoa desenvolve uma diabete, imediatamente a família se arma de todos os cuidados, combatendo a entrada de doces em casa, procurando apenas aqueles que sejam próprios para aquela pessoa. Se um a pessoa é hipertensa, a comida da casa inteira passa a ter o sal reduzido. Mas se uma pessoa é dependente química, ninguém quer abrir mão da cervejinha no churrasco, ou do vinho no jantar, ou do champagne do Reveillon. No caso da diabete ou da hipertensão, a família e os amigos entendem a doença e contribuem para o tratamento, no caso da dependência não! E por quê? Porque ao invés de entender a dependência como a doença que de fato é, atribui-se a "culpa" dela ao dependente! O problema é dele, é ele que não tem "vergonha na cara", que não sabe se controlar! E é essa falta de entendimento que agrava, ainda mais, o problema. Porque se é difícil vencer a dependência com ajuda, sem esta é praticamente impossível! É como sempre colocam no Amor Exigente: não podemos querer, simplesmente, que o outro mude. Precisamos, também nós, mudarmos nossos hábitos!

Da mesma forma que jamais havia prestado muita atenção na questão da inclusão até começar a participar mais dos grupos, e a saber mais a respeito das dificuldades vivenciadas por quem tem alguma deficiência, confesso que jamais havia pensado na dependência química desta forma, até encarar de frente o problema da Thabata, até começar a frequentar o Amor Exigente e a conversar com os profissionais da clínica onde ela ficou internada.

Mas também, da mesma forma que saber mais sobre a inclusão mudou minha visão e me fez observar mais o meu entorno, fazendo com que eu passasse a perceber as discrepâncias, as dificuldades, os preconceitos, saber mais sobre a dependência química também me fez enxergar muita coisa que antes eu não via. E é sobre essas coisas que quero falar, porque tenho certeza que a maioria não percebe e não se dá conta do mal que pode proporcionar sua falta de cuidado. Porque a gente muitas vezes nem sabe que a pessoa ao lado é um dependente químico, e acaba agindo sem pensar.

O primeiro sinal de alerta, na verdade, foi um comentário feito alguns anos atrás, por uma amiga que estava inconformada com a atitude de seus amigos, convidados da festa de aniversário de seu filho pequeno. Por ser uma festa infantil, ela optou por não servir bebidas alcoólicas, nem cerveja, apesar de ter também convidado os pais das crianças. Era uma festa de poucas horas, afinal de contas! Para sua surpresa, muitos (homens, especialmente) saíram cedo da festa, ou foram em pequenos grupos para um bar nas proximidades. Era impossível, para eles, pensar em um tipo de diversão que não fosse regado a bebida. 

Na ocasião eu percebi que ela tinha razão, até já tinha reparado que eu sempre era vista como um "ET" por não gostar de beber, e aí nada tem a ver com dependência, eu simplesmente não gosto MESMO de bebidas alcoólicas! Ok, o fato de ser vegetariana só aumentava a estranheza dos outros, mas acho que ainda hoje é mais fácil as pessoas entenderem que não como carne do que o fato de não gostar de bebidas alcoólicas. Só que ainda não havia me dado conta do quanto isso era algo sério.

A "cultura da bebida" está tão entranhada na sociedade que não se consegue imaginar sair com os amigos sem bebida. Ficar só no suco, no refri, na água até? Loucura!!! A mídia contribui para isso, e muito! Nos comerciais, quem bebe sempre é legal, cheio de amigos, tem uma vida super animada. Também nas redes sociais impressiona o que tem de piada, de brincadeira, mostrando quem bebe como sendo o máximo!

Ano passado, durante uma noite italiana com amigos em São Paulo, me peguei pensando em como a Thabata, que ainda nem estava internada, poderia estar ali comigo e Samara. Não teria como!!! A não ser, claro, que as pessoas ali concordassem em abrir mão das bebidas. Será que abririam? Alguns sim, outros não. Talvez nem aparecessem se soubessem, talvez fossem embora cedo, porque não veriam graça na reunião. Complicado, né?

Mas isso começou a me incomodar, de verdade, no Carnaval. A Thabata estava ainda internada, e eu agradecia minuto atrás de minuto por isso. Afinal, era um comercial atrás do outro falando da folia... e de alguma bebida! Aqui em Serra Negra mesmo, lojas, bares, carrinhos, vendendo cerveja a rodo, quanto maior a quantidade comprada, mais barato era o preço. Como se Carnaval sem bebida não existisse! Eu  comecei a imaginar um dependente químico, a Thabata em especial, sendo bombardeado com estes estímulos o tempo inteiro! Sim, porque mesmo que a droga de preferência não seja o álcool, este É a porta de entrada, É o gancho para a recaída. O problema maior da Thabata foi a maconha, mas se ela der um gole, pode acabar voltando, porque uma coisa puxa a outra! E ter que lidar com a sua compulsão, tentando o tempo inteiro controlá-la, e ao mesmo tempo esbarrar a cada minuto com uma propaganda, um quiosque, deve ser desesperador!

Em uma comparação bem pequena, numa escala muito menor, eu me vi fazendo dieta na adolescência e minha irmã comendo chocolate na minha frente, dizendo que estava uma delícia! Era terrível para mim! Agora imagina isso em proporções tão maiores!

A dependência química tem que ser levada a sério, porque hoje é praticamente impossível encontrar uma pessoa que não conheça alguém que a tenha. Se não é dentro do seu núcleo familiar, é um parente, um vizinho, um amigo, um colega de escola ou trabalho. E o dependente é, de fato, um doente que precisa de cuidados e apoio para conseguir se tratar e manter sua doença sob controle. Além de frequentar os Narcóticos Anônimos, de se tratar com psicólogos e/ou psiquiatras, que possam oferecer suporte e, às vezes, uma medicação para baixar a ansiedade, além de muitas vezes ser necessária uma internação (ou várias), há ainda um sem número de pequenos cuidados que só fui aprender nestes últimos meses.

Durante a internação, por exemplo, não era permitido levar para a Thabata sucos de uva ou limão, porque a sua aparência remete a vinho ou caipirinha, e ativa a memória do dependente. Bebidas sem álcool não são bem-vindas, pelo mesmo motivo. Já houve quem recaísse e ficasse com todos os sintomas de alguém alcoolizado por ingerir cerveja sem álcool!

Também para ministrar um floral de Bach é necessário pedir para que seja preparado sem usar o álcool como conservante e, mesmo assim, ela às vezes sente o gosto! A homeopatia deve ser em glóbulos. Chocolates inofensivos, mesmo que não recheados de licor, podem ter álcool de cereais ou conhaque em sua composição, precisa ficar de olho nos rótulos. Sorvetes, doces, comidas de modo geral podem também ter  alguma bebida entre seus ingredientes. São tantos detalhes, que a cada dia aprendo mais e me torno mais alerta. Loucura? Quase! Mas vale a pena! Porque por essa garota aí, eu faço tudo! E não vou desistir de ajudá-la! Nunquinha!!! ;)


Além disso, se vamos sair com amigos para comer um lanche ou vamos receber alguém em casa, todo mundo que vai junto já sabe: só suco, água ou refri, bebida de jeito nenhum!!! Ah, não quer ir porque quando sai gosta de beber? Beleza, não vai mesmo, porque eu não vou ceder. Ponto. Simples assim. E isso vale para convites feitos a nós. Se vai rolar bebida, não vamos. Ou, se eu não tiver como escapar, por algum motivo, ela não vai.

Pois é... custou, mas saiu. Escrevi e reescrevi tantas vezes, que espero não tenha ficado confuso demais! :D Só gostaria que pensassem sobre tudo o que coloquei. Sobre como uma palavra, uma brincadeira, pode atingir pessoas de uma forma que certamente não imaginamos. Sobre a postura a se tomar se você sabe que entre seus convidados para determinada ocasião existe um dependente em recuperação. Será que custa tanto assim não servir bebida alcoólica? Aquela pessoa é tão pouco especial para você que não vale o "sacrifício"?

Entendam, não estou aqui, falando contra aqueles que bebem socialmente, que têm controle sobre a bebida.  Não estou levantando nenhuma bandeira em favor da abstinência. Longe disso. Eu, pessoalmente, não gosto de beber, mas não condeno aqueles que gostam. Mas é preciso que haja respeito e consciência com esse número imenso de pessoas que lutam diariamente com sua doença. Porque criticar e condenar é muito fácil...

Eu volto.

Andréa
(este acróstico eu levei para a Thabata em uma das visitas à clínica, buscando dar-lhe forças para prosseguir, firme, em seu tratamento)

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1 ano...


Quanta saudade, paizinho... um ano se passou, e ainda está tudo tão vivo em minha memória... aquela maluquice toda, iniciada com a tal da gripe, que virou anemia, e que virou... sei lá o quê! Só sei que em cerca de um mês você de repente adoeceu e não estava mais conosco! :( Você sabe o tamanho do medo que eu tinha, parece que já pressentia o desfecho, mas não queria acreditar. Como poderia? Você dizia para eu me acalmar, que "vaso ruim não quebra"... mas você nunca foi "vaso ruim", pai... e aí...

De repente eu me vi "cabeça" da família, tendo que segurar sozinha todas as coisas que antes dividíamos. E além de não mais dividir, ainda não podia pedir conselho, não podia mais desabafar, nada! Tinha que ser forte, para ajudar as meninas, que mais do que um avô, perderam seu pai verdadeiro também.

Tanta coisa aconteceu neste ano, pai... Samara foi uma parceirinha super presente, mas sempre falta algo, alguém... já era tão difícil viver com a ausência da mamãe, agora então... Eu acho até que tenho conseguido segurar legal, tenho mantido meu astral alto, mesmo com os baques todos que a vida tem me dado, mas esse vazio não acaba nunca, a saudade só aumenta a cada dia.

O que me acalma é saber que vocês dois estão juntos, que estão trabalhando, que estão bem e felizes... e que um dia o meu emocional vai aprender a se controlar e eu vou poder vê-los.

Mas hoje é dia de festa por aí, né? Seu primeiro aniversário de volta, então apesar das lágrimas de saudade que insistem em rolar, quero que não se preocupe. Eu continuo aqui, firme, lutando, amparando as meninas. Continue seguindo seu caminho, de muita Luz e, sempre que possível, venha fazer uma visitinha, mesmo que eu acabe me emocionando e interrompendo tudo, tá? EU AMO MUITO VOCÊ!!!

Andréa

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