Inclusão e EJA


Em fevereiro comecei, como muitos sabem, a lecionar à noite, em uma sala de jovens e adultos. Não é uma sala de ensino regular, mas um projeto da prefeitura aqui de Itatiba, que reúne alunos que já estão na escola há vários anos e continuam com imensas dificuldades de aprendizagem. Teoricamente, é uma sala que tem alunos de 1ª a 8ª série mas que, em verdade, tem alunos com dificuldades graves na alfabetização e na matemática mais básica. Ou seja, alunos que passaram anos tentando aprender, "passando de ano", mas sem aprender de fato. :/ Uma sala pequena, poucos alunos, mas que têm uma necessidade imensa de aprender e avançar.

Impossível não traçar um paralelo com os relatos que vejo do processo de aprendizagem das crianças com deficiência. Que ficam em sala de aula e não aprendem, ou por não serem desafiados como deveriam, ou por não terem um olhar diferenciado do professor, ou por que motivo for. Essa sala em que estou lecionando me remete às chamadas "salas especiais", onde os alunos com deficiência são separados dos demais, para "não atrapalhar" ou porque "não vão conseguir mesmo, deixa ali". :'(

Confesso que para mim foi um desafio imenso! Ainda mais se pensar que, apesar de sempre ter me envolvido com a Educação de uma ou outra forma, apesar de ter me formado pedagoga há alguns anos, nunca havia trabalhado em sala de aula, salvo em uma escola de informática. Para piorar, entre a atribuição e o início das aulas tive apenas um final de semana e nenhuma orientação concreta, sequer uma pista de quem eram os alunos e o que eles já haviam estudado. o.O É verdade... não havia um histórico, um portfólio, anotações, material, o que fosse, para eu me basear.

Mas não temo desafios. Encaro e vou em frente. Não seria eu brasileira, ariana, e ainda filha de dona Solange e seu Ronaldo, se fosse diferente! :D E assim fui eu para o primeiro dia, conhecer meus alunos e procurar perceber o que cada um deles sabia para tentar encontrar um ponto de partida e ajudá-los a evoluir em seu aprendizado. Hoje posso dizer que conheço cada um deles, e sei o que cada um domina melhor ou encontra maior dificuldade. Desta forma, posso tentar auxiliá-los a superar esses "pontos fracos", e a valorizar seus "pontos fortes" também. Posso dizer também o quanto é prazeroso ver cada passo dado, cada conquista, cada avanço. Eles são capazes, claro que são! Mas precisam de alguém que se importe, que acredite no potencial deles, e que queira, de fato, vê-los avançar! ;) Alguma semelhança com as questões ligadas à inclusão???

No início eu precisei usar de criatividade para ganhar a confiança deles e mostrar que sabem, na verdade, muito mais do que imaginam. Começamos revendo todas as "famílias" do alfabeto. Eu propunha uma e eles iam à lousa escrever as palavras que conhecessem. Claro que, por diversas vezes, grafavam de forma errada. Mas aí eu falava a palavra novamente, sílaba por sílaba, e eles mesmos iam chegando à escrita correta. Foi ótimo, porque mesmo os mais "fechados" começaram a se soltar e a tentar. :D Quando terminamos essa revisão, e me dei conta que tínhamos mais de 800 palavras, propus o preparo deste caderno da foto. É uma espécie de glossário, para que possam usar como fonte de consulta quando têm dúvida sobre a grafia de alguma palavra. Tem sido bem bacana, e a cada aula nós ampliamos ainda mais o seu conteúdo! ;)

Mas o que mais me chamou a atenção desde o princípio, entretanto, foi a baixa autoestima de todos ali. Como se sentem menos do que os outros por não dominarem a escrita, a leitura e a matemática! Entre uma explicação e outra, entre uma atividade e outra, é importante falar, motivar, compartilhar experiências. Mostrar que, se eu domino a leitura e a escrita, eles dominam assuntos que para mim são verdadeiros mistérios. Mostrar que, por mais que se domine um assunto, nunca se sabe TUDO, sempre há o que aprender, sempre se está sujeito a erros. Mostrar que cada um tem um talento, uma facilidade. E que cada um tem mais dificuldade em alguma coisa também. Mais do que isso, mostrar que cada saber é importante. Ninguém é melhor do que ninguém. Somos, apenas, diferentes. ;) Ops! Reconheceu aí algo que deveria acontecer no ensino regular? Pois é... :)

Não é fácil, longe disso. Ainda mais porque, no caso dos adultos, eles trazem um histórico de depreciações, seja de casa, seja da escola, seja do trabalho, do círculo de amigos, que torna tudo mais complicado. Uma de minhas alunas ouve, da própria filha (que está na faculdade) que "é burra, não dá para entender porque perde tempo indo à escola, não vai aprender mesmo"! o.O Desfazer isso é difícil, e se a pessoa não acredita em si mesma, como pode caminhar? Cada coisa que você pede se torna um peso imenso, porque ela tem certeza absoluta de sua incapacidade! Mostrar que ela pode, que ela consegue, é um desafio. Mas um desafio recompensador, podem ter certeza! :D

É preciso fazer com que eles entendam que eles não são "burros" ou incapazes. Apenas não têm mais o cérebro "fresco" e pronto a aprender de uma criança. Existem conceitos arraigados, existem aprendizados errados (na fala, principalmente, que se reflete na escrita), existe a baixa autoestima para complicar. O esforço demandado é maior. Muito maior. Mas nem por isso é algo impossível de ser alcançado. Nem por isso é um sonho irreal. E o prazer por cada etapa alcançada é, certamente, muito maior! ;)

Procuro, todos os dias, reafirmar aos meus alunos o quanto eu confio na capacidade deles, e como fico feliz com cada passo que eles dão. Cada resposta certa é valorizada, comemorada. Cada linha lida, mesmo que tropegamente, é aplaudida. Cada frase escrita, mesmo que com erros de ortografia, é elogiada. Valeu o esforço! E o erro, quando acontece, é sanado da forma mais natural possível, explicando novamente, relembrando o que foi visto, tentando fazer com que eles próprios reconheçam e façam a correção. Tem dado certo. :)

Hoje, a adição e a subtração já não são um "bicho de sete cabeças" (ok... talvez tenha umas quatro cabeças ainda... :P), a escrita já não é um "bicho papão", a leitura não é mais um "monstro"... aos poucos eles vão caminhando. Restam três bimestres ainda para que eu possa ajudá-los. O trabalho está só começando!!! :D Mas eu tenho muita confiança de que chegarão ao final do ano bem mais preparados do que estavam em fevereiro. Espero estar certa! ;)

Estou satisfeita com o que tenho acompanhado de meus alunos. Mas, mais do que isso, percebo que apesar da realidade dos adultos ter diferenças óbvias da realidade das crianças, há posturas exigidas do professor, que se assemelham em todas as etapas. Coisas que venho falando há tempos, e que a prática só vem reforçando. É preciso enxergar a heterogeneidade existente na sala de aula. É preciso procurar ter um olhar diferenciado para cada aluno, mesmo em meio a uma sala mais cheia. É preciso valorizar os acertos e conquistas, ao invés dos erros. É preciso mostrar confiança na capacidade dos alunos e, desta forma, também trabalhar a autoestima de cada um. É preciso mudar a forma de avaliar, porque depender de provas, notas, é excludente. É preciso dar maior atenção àquele aluno que tem dificuldade, ao invés de deixá-lo de lado, entregue à própria sorte, como se tentar ensinar a ele não "valesse a pena". Até porquê, sempre vale. Talvez até mais. ;)

Não nego as dificuldades enfrentadas pelos professores do ensino regular, com salas superlotadas e poucos recursos. Tenho visto diariamente, meus colegas que lecionam no EJA regular, lutando para superar os desafios e as dificuldades. Mas, exatamente por isso, tudo que venho vivenciando tem me dado, cada vez mais, confiança de que este nosso sistema está ultrapassado, precisando ser revisto, renovado, transformado. Por uma Educação de melhor qualidade, por uma Educação de verdade, por uma Educação que contemple a todos. 

Eu volto.

Andréa

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