sábado, 31 de outubro de 2015

Mais amor por nossas crianças, por favor!


Esta semana um vídeo "viralizou" na internet, mostrando um garoto em crise, detonando uma sala de aula. Uma criança de seus seis ou sete anos, completamente fora de controle. A equipe da escola, então responsável por ele, ao invés de tentar acalmá-lo, contê-lo, ao contrário o estimulava a continuar naquele comportamento. Eram diversos adultos ali, supostos EDUCADORES, que ao invés de fazer algo de positivo, diziam que não podiam "bater, segurar", que precisavam chamar os bombeiros, a polícia, a assistente social... e além de nada fazer, ainda filmaram e expuseram uma criança na internet. :(

Assistindo ao vídeo não consigo deixar de ficar triste, angustiada, por pensar no quanto este garoto está sofrendo. Ele não tem culpa de estar assim. Se chegou a este ponto algo de muito sério aconteceu e acontece em sua vida. Maus tratos? Abusos? Falta de limites? Falta de uma família estruturada? Presença de algum distúrbio neurológico? Falta de AMOR? Algumas ou todas as anteriores? Não há como saber. :/

Temos apenas um vídeo, que não compartilharei, pois o garoto já foi por demais exposto, mostrando alguns minutos de uma situação extrema. Não se sabe o que aconteceu. Não se conhece a história desse menino. Certamente não é mera "falta de surra" como tantos vêm falando. É muito simples culpar a criança. Mas como é fácil julgar os outros! Como é fácil julgar uma CRIANÇA! o.O É muito simples responsabilizá-la. Evita-se, assim, a necessidade de investigar o caso a fundo. Evita-se a necessidade de AJUDAR o garoto (e ele precisa de muita ajuda, é evidente). Evita-se a necessidade de compreensão, de compaixão. Mais fácil surrar do que abraçar. Mais fácil atacar do que ouvir. :'(

Vendo o vídeo acabei lembrando de um trabalho que participei com crianças e jovens com Down. Havia uma menina de 12 anos, Andrea, por coincidência, que os voluntários evitavam, porque era "difícil" (leia-se agressiva, teimosa, indisciplinada, jogava as coisas longe se fosse contrariada). Ainda por cima era grandona, forte. Ninguém se atrevia sequer a levá-la para dar uma volta no quarteirão. Ficava sempre dentro da casa com uma das voluntárias enquanto os outros passeavam.

Em determinado momento houve uma reestruturação e meu horário coincidiu com o dela. Cheguei apreensiva, confesso. Tinha uns 20 anos na época, e as coisas que ouvia a respeito dela eram assustadoras. Só que eu comecei a observar... ela brincava de escolinha (sendo ela a professora) gritando com as bonecas e colocando-as de castigo. Brincava de casinha (ela no papel de mãe), gritando, ameaçando e batendo nas bonecas. Alguma dúvida de como era a vida dessa menina em casa e na escola? :( Conversei com as voluntárias que iam à casa dela, mostrei que precisavam uma atuação mais firme junto à família, que a mãe tinha de questionar a escola também.

E, pelo meu lado, comecei a buscar uma aproximação, mas ela era muito resistente. Devagarinho, falando baixo, ela foi baixando a guarda. Quando se descontrolava, eu buscava contê-la, abraçando-a por trás. Se ela tentava "ganhar no grito" eu me mantinha firme. De repente ela descobriu que tínhamos o mesmo nome e isso ajudou à beça, porque criou uma identificação. Ela não era mais uma "estranha", havia alguém com o mesmo nome dela! :D

Aí eu decidi que naquele dia íamos passear no quarteirão. Expliquei antes que ela teria que obedecer, senão voltaríamos. Lógico que o começo foi difícil. Ela me testou várias vezes. Mas ao perceber que me mantinha firme foi aprendendo a se controlar.

Aos poucos, ela foi melhorando. Revelou-se uma menina carinhosa, amável. Só precisava que alguém olhasse para ela, prestasse atenção. Alguém que a levasse em consideração, que a considerasse importante. Sem precisar de gritos. Sem precisar de agressões físicas. Uma menina que me ensinou muito e de quem até hoje sinto saudades. :D

De encontro ao meu depoimento, uma mãe postou um vídeo corajoso, defendendo o garoto, e falando do seu próprio filho, que tem TDAH e que já agiu da mesma maneira! Esse vídeo eu faço questão de compartilhar, pois vale a pena ser visto por todos, em especial aqueles que defendem que o problema é meramente "falta de surra".


Outro exemplo que acabei recordando foi quando minha mãe morreu, porque as meninas eram pequenas. Como já comentei diversas vezes, foi devastador, porque ela teve um enfarte, ninguém esperava. Ficamos sem chão, realmente. Uma das melhores coisas que aconteceu foi ouvir da diretora e de toda a equipe da escola: "cuidem da cabeça de vocês que com as meninas a gente ajuda". Samara, então com 7 anos, teve diversos momentos de carência durante a aula, e o professor a pegava no colo, dava aula com ela ali. As professoras da Thabata (que tinha 5 anos) fizeram uma "roda de conversa" sobre o tema, ajudaram não só a ela mas a toda a turminha. Ajudou-as e nos ajudou, num momento dificílimo, que poderia ter sido ainda mais penoso sem este suporte. Sou grata a cada um deles, e eles todos sabem disso.

Sei que essa história toda mexeu muito comigo... primeiro me chocou a divulgação do vídeo, que considerei de extremo mau gosto por expor uma criança daquela forma, e ainda apontou um despreparo absurdo dos envolvidos naquela situação. Depois, grande parte das pessoas que o divulgaram, fizeram atacando o garoto, chamando de bandido, defendendo surras, "prevendo" que no futuro ele andará armado, e daí para pior. A frase "se fosse no meu tempo" foi recorrente, defendendo a punição física como a "salvação da lavoura". o.O Pois se fosse no MEU tempo, esse menino seria tratado com todo o amor, pois meus pais sempre souberam nos ouvir, cuidar, ajudar. Davam limites sim, mas sabiam enxergar que crises existem e devem ser superadas. E, se para um adulto nem sempre é fácil fazer isso, para uma criança, que não tem domínio da sua expressão, não tem discernimento suficiente, não tem maturidade, experiência, é muito pior! Para que elas superem as crises, precisam de ajuda, dos pais, dos educadores e, em alguns casos, de atendimentos especializados. O que elas menos precisam é de surra! Eu, apesar dos meus 44 anos, não fui criada na base da violência, graças a Deus!!!

Lembrar da experiência vivida com minha querida xará só me deu mais certeza de que esse menino precisa é de muita ajuda. De muito AMOR! Ele é só uma CRIANÇA, caramba, com toda a vida pela frente! Não o julguem por causa de 3 ou 4 minutos de um vídeo que nem deveria ter sido publicado. Não o julguem sem conhecer a sua história, os seus motivos, as suas DORES. Não o condenem a uma fatalidade de crimes e fracassos sem lhe dar a OPORTUNIDADE de ser feliz e se desenvolver da maneira correta. 

Na faculdade eu comentava que o problema da violência nas escolas é só a pontinha de um iceberg que está sendo ignorado. Ninguém se torna violento por nada. Tem muita coisa envolvida, MUITA. O problema é gravíssimo, mas muitas vezes pode, sim, começar como esse garoto. Se ele não for ajudado, sabe-se lá como a sua situação vai se desenrolar... mas se cuidarmos dele, se cuidarmos das nossas crianças... se lhes dermos atenção, cuidados adequados, AMOR, principalmente, talvez consigamos mudar a situação. 

Esse menino, ainda que não tenha nenhuma deficiência, serve também de alerta para a necessidade de as escolas estarem abertas à diversidade, à inclusão de todos os alunos. Há que se estar preparado para as eventuais crises, sejam pontuais ou persistentes. Há que se ajudar os alunos, e mesmo os pais (que não obrigatoriamente têm o conhecimento necessário), a buscar caminhos para um desenvolvimento saudável, pleno, feliz. E tudo começa com AMOR.

Eu volto.

Andréa
(a essência deste texto foi publicado em meu Facebook, mas queria registrá-lo aqui também, e acabei por estendê-lo um pouco. Aliás, criei lá uma página de divulgação do blog, o link está na barra superior.)

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