sábado, 27 de março de 2010

Circo dos horrores

Acabou... o casal Nardoni foi condenado a penas bastante severas e a população comemorou o fato, soltando rojões. Não posso deixar de lamentar e comentar, mesmo sabendo que a maioria não concorda com meu ponto de vista e que eu, provavelmente, terei que ler coisas que não me agradarão.

Não estou dizendo aqui que não acredito na culpa do casal, aliás nunca disse isso. Infelizmente não consigo vislumbrar outra possibilidade, ainda que não ache que as provas foram conclusivas. Digo infelizmente porque gostaria que não fosse verdade que um pai e uma madrasta tivessem sido capazes de um crime destes, talvez até na presença dos outros filhos. Filhos, aliás, pequenos e inocentes, que talvez tenham assistido a algo inimaginável, e que ninguém parece estar preocupado. Crianças que vão crescer sob a sombra de serem filhos de assassinos, provavelmente discriminados, rejeitados, afastados do convívio de seus colegas, cujos pais não irão querer convivendo com "gente desta laia". Mas e daí? Quem se importa com eles?

Mas o meu lamento tem outro motivo, tão ou mais grave: o circo armado pela mídia, a condenação prévia do casal pela população, a incitação ao ódio que assisti desde o começo, os pedidos de prisão perpétua e pena de morte (atos proibidos pela Constituição Federal) e o ápice final... os rojões!

Desde o princípio fiquei muito incomodada com a reação das pessoas. Antes mesmo de se ter as conclusões da polícia, antes mesmo das provas "conclusivas", a população já havia condenado o casal. A mídia, em especial os programas sensacionalistas, contribuiu muito para isso. Várias vezes nos deparamos com apresentadores que debochavam de quem não acreditava na culpa do casal, ou que faziam comentários que só serviam mesmo para incitar ao ódio. Lembro que na ocasião, justamente por este meu modo de pensar, fui agredida verbalmente por diversas pessoas, que além de quererem incitar o ódio ainda não aceitam que há pessoas que pensam diferente!

Uma coisa que comentei na ocasião foi que esse ódio só havia surgido por ser a Isabella uma menininha bonitinha de classe média paulista. Na mesma época surgiram vários casos semelhantes: o menino Pedro, de Ribeirão Preto, os irmãos João Vitor e Igor, de Ribeirão Pires, o garoto do interior do Pará... alguém se lembra deles? Pois é, nem a mídia. Não interessa, eles não dão Ibope! Se é para ter ódio, teria que generalizar. Porque o caso da Isabella foi pior do que estes todos? Pedrinho, segundo foi apurado, sofria maus tratos constantemente. Os irmãos buscaram ajuda no Conselho Tutelar, querendo sair da casa do pai e da madrasta, e os conselheiros os encaminharam de volta. Terminaram esquartejados e jogados no lixo! Mas o caso da Isabella é que mereceu todo o destaque da imprensa... e o ódio da população, que nem se importou com os meninos...

Além disso, quantos e quantos casos surgiram ao longo dos anos, que fizeram a população se revoltar, odiar, e no final provou-se a inocência dos acusados? Alguém lembra ainda do caso da Escola Base? Pois eu aposto que os antigos proprietários jamais esquecerão. Acusados injustamente de abusar sexualmente dos alunos, foram quase linchados pela população, a escola foi destruída, e no final provou-se a inocência deles. Só que a VIDA deles já não existia mais. A paz de espírito havia sido esmigalhada.

Eu relutei muito em acreditar mesmo. Se tem algo que evito ao máximo em minha vida é pré-julgar quem quer que seja. Então, até o último momento esperei por provas em contrário, que demonstrassem a inocência deles, mesmo sabendo que era praticamente impossível que estas surgissem. Ainda agora, com o julgamento, não consigo ver as tais provas como cabais, acho que deixam margem à dúvida. Difícil que não tenham sido eles? Sim, mas não totalmente impossível. No entanto, aí está: eles condenados, a população em êxtase, e a justiça? Foi feita realmente? Eu espero que sim.

Nada trará de volta o sorriso da pequena Isabella. Nada fará o tempo voltar atrás. Hoje temos um casal que ficará anos e anos atrás das grades, dois meninos (aqueles mesmos que ninguém se interessa) que estão crescendo sem os pais, e a certeza plena desta culpa eu não creio que exista. Pelo menos até agora não a encontrei, sou bem sincera. Aliás, será que eles foram condenados por unanimidade? Será que parte do júri os inocentou? Será que houve dúvida entre os jurados sobre condenar ou não o casal? O juiz deixou de contar os votos quando já tinha quatro condenando. E os outros? Será que também condenavam ou inocentavam o casal?

Longe de querer defendê-los, já disse que não vejo outra possibilidade para o crime, gostaria apenas que as pessoas refletissem, e não levassem para dentro de suas casas e muito menos transmitissem para o planeta essa energia de ódio, tão pesada e maléfica. Quem errou deve pagar pelo que fez? Claro que sim. Mas não precisamos nos exaltar, querer "malhar o Judas", ir às ruas propondo linchamentos. Precisamos, sim, de cabeça fria para analisar os fatos, as provas, e penalizar, de forma justa, quem é culpado de fato. Não devemos buscar vingança, mas Justiça. Afinal, um erro não repara outro.

Se consideramos errado matar, como podemos querer punir alguém com a morte? Não é algo contraditório? E tem o homem o direito de decidir quem vive e quem morre? Uma farda ou um diploma mudam algo? Dão a alguém o direito de decisão?

Aliás, tem o homem domínio da morte e do que ocorre após o desencarne? Tem ideia do que acarreta para si próprio cada ação tomada no decorrer de sua vida? Se tivesse, aposto que não disseminaria o ódio como faz, não buscaria a vingança como é comum, pensaria mil vezes antes de agir e, mesmo, de pensar! Pois o pensamento se reflete, reverbera, não tem fronteiras. E não estou falando novidade não... tudo o que tem sido falado sobre a Lei da Atração só confirma isso! Apenas para refletir, deixo abaixo um texto que meu pai escreveu vários anos atrás e que continua muito atual.

Andréa

PENA DE MORTE: O HOMEM SE DIZENDO DEUS...
Ronaldo Tikhomiroff

A cada novo crime, dito hediondo ou bárbaro, com que nos deparamos, voltamos a ouvir o clamor generalizado da instituição da pena de morte em nosso país, uma solução simplista para se tentar corrigir um mal produzido pelo próprio homem.

É triste, muito triste, se constatar que o bicho-homem está cada vez mais se tornando bicho do que homem. Como se já não bastasse a pena de morte decretada aos que morrem de fome, de frio, de doenças por total descaso ou insensibilidade do próprio homem para com seus semelhantes, vemos agora, com a justificativa de aplacar a indignação geral face aos crimes bárbaros recém perpetrados, a volta dos apologistas da pena de morte, pobres de espírito que, à falta de coisa melhor, se voltam para a animalesca solução do extermínio institucionalizado daqueles que, seja por que motivos for, praticaram um crime bárbaro ou hediondo, como virou moda falar.

Com que direito o homem se apropria da vida alheia? Se criminosos há, como de fato há, cabe a nós, pobres mortais, julgar algo que transcende nosso próprio conhecimento - pois não somos simples formas animais de vida? A cada ser humano foi dado o direito e o privilégio de viver e conviver com nossos irmãos da Natureza neste planeta, onde a harmonia e a fraternidade deveriam imperar. Através do mau uso do seu livre-arbítrio, o homem se afastou de seus princípios e se tornou, cada vez menos divino, cada vez mais animal, onde sequer respeita seus próprios semelhantes.

Através da criação de fronteiras, o homem retalhou o planeta que o recebeu, com toda a honra, como hóspede e com isso plantou a discórdia. Criou o dinheiro e colheu a ganância. Criou o progresso econômico e devastou a casa que o acolheu. Seu livre-arbítrio acabou por levá-lo a destruir seu próprio habitat, deixando-o sem perspectivas de sobrevivência. Sua sede de poder levou-o a guerras onde só conseguiu a destruição e o aniquilamento de seus semelhantes, que deveriam ser amados por ele.

Pobre bicho-homem! Agora, em um país destruído pelo famoso "jeitinho" e não menos famosa "lei de Gerson" ou "lei da vantagem a qualquer custo", que chega ao 1o.mundo com notícias de corrupção, matança de crianças, e coisas afins, renasce não o movimento neonazista, não o movimento racista, mas algo tão ou mais detestável: o movimento pela instituição da pena de morte. Em outras palavras, o atestado de incompetência e de total degradação do ser humano: seu ego tenta fazê-lo SENHOR DA VIDA, título que, ao que sabemos, pertence a alguém bem mais nobre e sábio: DEUS.

Antes de se voltar para uma reação de pura vingança, travestida de "medida preventiva" para coibir novos casos bárbaros, o homem deveria procurar entender a própria vida e a sua própria espiritualidade. Todas as seitas, religiões e movimentos espiritualistas pregam a luta do bem contra o mal. Porém, o que é o bem? QUEM definiu o que é bem e o que é mal? Existiria o conceito do bem, sem a existência do mal? Será Deus uma entidade malvada, que se utiliza de dois pesos e duas medidas? Será Ele tão pequeno assim?

Não podemos discutir, se é que cabe discussão, o problema da pena de morte sem levarmos em conta, e em primeira instância, a espiritualidade e a transcendência da vida espiritual. Afinal, todas as seitas, religiões e afins têm como verdade estes conceitos. Se no passado o homem-religioso sacrificava seus semelhantes para "aplacar a ira dos deuses", e hoje abominamos tal prática, como podemos aceitar o sacrifício de vidas humanas para "aplacar a ira dos homens"? Será o homem superior a seu próprio Criador? Será que o homem está-se intitulando DEUS? Será que chegamos a mais este absurdo?

Se tentarmos criar uma escala de valores para os males causados pelo ser humano a seus semelhantes, atribuindo a cada item uma penalidade, onde ficam classificados os crimes hediondos? Afinal o que é crime hediondo? não seria também hediondo se privar milhões de pessoas de seu único meio de sobrevivência atual, as suas economias? Quantos perderam suas esperanças, não puderam atender suas necessidades básicas de saúde, alimentação, quantos perderam a própria vida pela irresponsabilidade de uns poucos que se intitularam salvadores da pátria em um passado recente? Seriam estes passíveis de pena de morte? Aqueles que desviam os recursos arrecadados de uma população cada vez mais pobre, recursos estes destinados aos programas de saúde, aqueles que aviltam os preços de medicamentos e alimentação básica, levando seres humanos à morte, muitas vezes com muito sofrimento, seriam condenados à morte? não são estes também assassinos frios e calculistas, traidores da confiança de seus semelhantes? Tem o homem realmente a noção do CERTO e do ERRADO?

Estamos neste planeta, hoje encarnados, por algum motivo. Isto nos parece óbvio, sob qualquer prisma espiritualista. Se aqui estamos, devemos HONRAR a vida que nos foi dada pelo amor de nosso Pai. Todos temos que desempenhar nossos papéis da melhor forma possível, voltados sempre para a HONRA de estarmos vivos. Se alguns de nossos irmãos, pois os criminosos hediondos TAMBÉM SÃO NOSSOS IRMÃOS EM DEUS, agem de forma a nos causar danos, por vezes até mesmo a morte, devemos ter por eles um sentimento de culpa, um sentimento de respeito, um sentimento de amor, pois eles não souberam HONRAR sua vida, talvez até por não lhes termos dado esta chance, e somente Quem lhes deu esta dádiva pode julgá-los. Se passamos por momentos de dor, causados por esses irmãos, não serão eles agentes involuntários de uma situação que DEVERÍAMOS passar em nossa caminhada? Conhecemos nossas vidas passadas? Não fomos, em qualquer tempo, iguais a eles e não nos foi dada outra chance de nos redimir? A redenção é a vingança? Quem somos nós para julgar os desígnios de Deus?

Se olharmos em nossa volta, verificamos que o caos está cada vez mais presente em nosso mundo. O homem parece ter conseguido despedaçar a harmonia em todo o planeta. Tudo o que hoje estamos colhendo é fruto de nossa própria sede de poder, ganância e descaso com nossos semelhantes, em última análise, com nosso Criador. NÃO SOUBEMOS HONRAR A DÁDIVA DE ESTARMOS AQUI! Esta é a grande verdade, doa a quem doer. Se os animais procuram, através de seu instinto, manter o equilíbrio em seu habitat, se os animais EXPULSAM seus irmãos de espécie que praticam algum crime, nós, os seres ditos humanos, querendo ser maiores do que Deus, nos tornamos piores do que os animais, pois pensamos em MATAR nossos irmãos de espécie. Como somos pobres!

Se hoje vemos o desamor e o total descaso pela vida, no sentido mais elevado, manifestados pela grande maioria da raça humana terrestre, devemos entender que é por nossa única culpa, por havermos nos afastado de nossas origens, as quais olvidamos em passado longínquo e tentamos buscá-las sem sucesso por séculos e séculos. O homem criou seitas e religiões baseadas em algo que ele conhecia, mas não sabia explicar. Afinal, como explicar através do raciocínio leis transcendentais? A própria ciência humana hoje se contradiz a cada instante!. As próprias seitas e religiões, cujos fundamentos são únicos e verdadeiros quaisquer que sejam seus nomes, também se afastaram de suas origens e não souberam aplacar a Grande Dúvida: POR QUE ESTAMOS AQUI? POR QUE TEMOS QUE MORRER? O QUE É, AFINAL, A MORTE? A falta de sucesso no aplacamento de tal dúvida, que seria, em última análise, a verdadeira FÉ, a certeza interior e inquebrantável, levou o homem a desistir e se transformar em um verdadeiro parasita para o planeta e para seus próprios semelhantes.

Da mesma forma que hoje o homem procura "remendar" o planeta, destruído por suas próprias ações, também hoje procuramos "consertar" nossos semelhantes através de penas desumanas, irracionais ou bestiais. Mais uma vez o ser humano estará satisfazendo seus instintos animalescos, deturpados pela sua própria história. Estará satisfazendo a vontade do Pai? Se assim o fosse, o próprio Pai se incumbiria dessa tarefa macabra! Porém, sem sombra de dúvida, Ele é muito maior, muito mais sábio!

O que fazer? Como lidar com os ditos criminosos hediondos? Evidentemente não será matando-os que estaremos contribuindo para a reversão do caos. Soluções humanas existem. Através da educação, da saúde, do RESPEITO AO PRÓXIMO, e do amor à vida, podemos construir, ou melhor, reconstruir um mundo melhor. Mas a verdadeira solução está dentro de nós mesmos. Quando deixarmos de querer ser Deus através de nossa mente e de nossas emoções e passarmos a ser Deus através de nossa aspiração e nossa ligação espiritual com o Todo. Afinal, numa dimensão superior, transcendental, cósmica, aí sim, somos DEUS!

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