sábado, 17 de janeiro de 2015

O Enem 2014 e a Educação




A divulgação do resultado do Enem/2014 trouxe novamente à tona a discussão sobre a qualidade do ensino no país. A baixa nas notas, em comparação com o ano anterior, o crescimento assustador de notas zero nas redações vêm demonstrar que há algo de muito errado acontecendo, e não é de hoje. Alguma novidade nisso? :/

O problema é que a Educação, como um todo, precisa mudar. E a mudança tem que ser desde a base, de forma a proporcionar, de fato, aprendizado aos alunos, a todos eles, respeitando a diversidade, tornando-se inclusiva de verdade. Impossível? Claro que não. Mas requer vontade de mudar, disposição em todas as instâncias e, acima de tudo, coragem. ;) 

A cada dia que passa surgem novas experiências, não só por aqui, mas no exterior também, de formatos completamente diversos deste que conhecemos, e que vêm funcionando muitíssimo bem. Por que não olhar em volta? :D Esse modelo de alunos sentados nas carteiras com o professor à frente explicando a matéria, para depois serem avaliados através de notas, provas, podia até funcionar antigamente, hoje não mais. Bom, na minha opinião, há muito tempo que não. E os alunos são, hoje, muito mais "ligados", "conectados", ativos mesmo. Como é possível querer que fiquem sentados, ouvindo o "blá-blá-blá" dos professores passivamente? Perde-se o interesse fácil!

Quando eu estava na escola, e isso já faz um tempinho, nunca consegui enxergar a prova como sendo instrumento de avaliação. Para mim, era muito mais um instrumento de tortura! Quem nunca se sentiu assim? Eu chegava a ter crises de asma em véspera de prova, isso não pode ser saudável! :(

As provas retratam, no máximo, um momento do aluno, não necessariamente o seu conhecimento. Até porquê ele pode "colar" do colega... ;) Se ele não dormiu bem à noite, se a avó está doente, se o pai brigou ou, até mesmo, se estiver muito nervoso, pode tirar uma nota baixa apesar de saber a matéria. Quem nunca teve um "branco" na hora de uma prova? Eu já, e foi terrível! :( Fora erros "de distração", que eram o meu terror na matemática. Era a matéria que ia melhor, mas vira e mexe fazia umas besteiras... que nem eu mesma acreditava quando via a correção do professor! :/ E, na verdade, não é assim sempre? Ou você nunca teve algum dia de não se sair bem no trabalho por alguma questão externa? Por "não estar bem" ou "não estar com cabeça" para aquilo ou... "estar meio devagar"? Natural que sim! Não somos robôs!

Apesar desse meu sentimento desde sempre, a comprovação veio quando a escola onde minha irmã estudava fez uma experiência com ela, que estava se saindo mal em matemática, e a professora não entendia o motivo, porque ela parecia saber a matéria. O que fizeram então? Passaram uma folha de exercícios, para a sala toda resolver, e no final a professora corrigiu o exercício de minha irmã como se fosse prova. Ela teria tirado 8,5 ou 9,0. No dia seguinte, aplicaram a mesma folha, mas mudaram o nome para "prova". A nota dela caiu para 3,5! o.O Ela não sabia a matéria ou simplesmente tinha pânico de prova? E o que fazer? Reprovar porque ela não tinha nota ou aprovar porque ela sabia a matéria? Percebe?

Sem contar que a maior parte das provas é feita sem que o aluno possa consultar seu material. Por quê? Para consultar (e não "colar" ou simplesmente copiar), o aluno tem que saber o que está buscando, e onde encontrar. Teria muito mais tranquilidade para responder se soubesse que tinha o suporte de poder olhar o material, caso fosse preciso. E, em muitos casos, este suporte nem seria usado, apenas estaria ali, dando maior segurança. Afinal, o professor não consulta seu livro quando está explicando a matéria? Não faz anotações, lembretes? Um palestrante não tem fichas para guiar sua apresentação? Um empresário não tem seu discurso impresso quando vai falar em público? Ah sim, nem todos! Há os que falam de improviso, há os que fazem palestra sem precisar de apoio, mas estes têm um talento nato ou, pelo menos, um treino absurdo, não é o padrão! Então porque se exige dos estudantes que saibam tudo "de cor e salteado"? Para quê tanta pressão? É massacrante isso! :(

Eu lembro de uma prova de Física que fiz no Ensino Médio, e que exemplifica isso tudo. Eletricidade. Estudei com meu pai, que era engenheiro eletrônico, até ele me mandar parar e relaxar porque estava mais do que preparada para a prova, até para tirar dez! No dia seguinte, na hora em que peguei a prova, eu não lembrava NADA! Nada! :'( Foi me dando um pânico... tinha certeza de que ia zerar, porque não conseguia lembrar. E quanto mais nervosa ficava, mais difícil da memória funcionar, óbvio. O que me salvou foi o professor, que percebeu meu mal estar, passou por mim perguntando se estava tudo bem, e eu respondi que não. Aí ele me soltou uma parte de uma das frases que usava para que decorássemos as fórmulas. Eu lembrei aquela, anotei correndo e fui procurar a questão onde ela poderia ser usada. E ele fez isso algumas vezes, passava por mim, soltava alguma coisa e, com isso, cheguei a tirar uma nota seis. Mas, se o professor não me conhecesse ou não tivesse sensibilidade, eu teria tirado zero mesmo tendo domínio da matéria. Seria justo? Agora, se fosse permitida a consulta, eu não teria passado o nervoso que passei, porque uma olhada rápida no caderno seria mais do que suficiente para eu ter resolvido a prova inteira, sem nenhuma dificuldade, e minha nota teria sido até melhor.

Então como avaliar o conhecimento? No dia-a-dia, a partir da interação aluno x professor. Usando a chamada avaliação formativa, que é contínua, e que compara o aluno com ele mesmo, e não com o todo. Que valoriza o tamanho do passo dado pelo aluno, mais do que o ponto atingido. Que consegue detectar pontos que não ficaram bem esclarecidos, permitindo um eventual reforço logo que surge a necessidade. É uma avaliação que ajuda a valorizar as competências ao invés dos déficits, e usar os pontos fortes para superar os eventuais pontos fracos. É uma forma de avaliação que favorece a inclusão também, porque o ritmo do aluno é respeitado, as conquistas são valorizadas, os pontos "falhos" são trabalhados. Desta forma, ao invés de esperar que todos atinjam um mesmo patamar ao mesmo tempo, espera-se que todos cresçam, verdadeiramente, de forma contínua e consistente. :D

Sem contar que, em muitos casos, o que se ensina na escola não tem aplicação prática depois! Muita coisa é ensinada sem um contexto próximo que dê significado daquilo ao aluno. Não se usa a realidade do aluno, o interesse dele. Usando de sinceridade: quanto da matéria que aprendeu na escola você se lembra? Ou, pior, faz uso no dia-a-dia? Você lembra mesmo a tabela periódica, os íons, prótons, elétrons, combinações, cálculos, que aprendeu anos a fio em Química? É relevante para você saber se no texto que está escrevendo tem uma oração subordinada "não sei das quantas"? Você lembra como calcular um circuito elétrico? Lembra as datas de todas as batalhas da História? Melhor ainda: lembra todos os afluentes do Amazonas? :/ Ah, então nada disso deve ser ensinado? Claro que deve! Mas de forma coerente, trazendo para o cotidiano do aluno a sua finalidade, dando significado para o que está sendo ensinado. Mais do que isso: deve-se estimular a curiosidade do aluno, para que ele queira saber mais, queira pesquisar, descobrir. ;)

É como aquelas "provas do livro" que eu tinha em menina, e que devem existir ainda. Você lia um livro, escolhido pelo professor, e depois tinha que fazer uma prova sobre ele. Eu o-di-a-va! Sério! E olha que eu sempre li muito! Era frequentadora voraz da biblioteca da escola, minha mãe era sócia daquele "Clube do Livro" e vivia comprando novidades para todos em casa, eu inclusive (claro!). ;) Mas eram livros que me interessavam, que eu "devorava", e sobre os quais eu poderia falar a respeito, tranquilamente. Agora... ler forçada? Já lia de má-vontade! :/ Ainda mais se o professor não soubesse "vender" a ideia. O melhor exemplo disso é o "Anarquistas Graças a Deus" da Zélia Gattai, que fui obrigada a ler como parte da disciplina de OSPB (nossa... alguém lembra disso???) quando estava na 8ª série. Eu odiava a matéria, a professora, e li o livro com taaaaanta vontade, que detestei desde a primeira página. :( Algum tempo depois, a minissérie foi lançada na Globo, e eu nem assisti (eu,hein? o.O). Mas minha mãe viu, e se interessou em ler o livro. Amou. E falou tanto, com tanta vibração, que eu resolvi reler, agora com outros olhos. Conclusão? Virei fã ardorosa da Zélia, li todos os livros que ela escreveu, diversas vezes! Aliás, preciso reler novamente, faz tempo que não faço isso!!! :D

E isso já é visto em escolas no exterior, e em algumas "escolas alternativas" aqui no Brasil. Nestas escolas pioneiras, os alunos são os senhores de seu aprendizado. São o elemento principal. Os professores são mediadores, instigadores, orientadores. As classes, turmas, séries, não são tão importantes em muitos casos, porque um aluno mais velho, ou com maior domínio de alguma disciplina, pode auxiliar aquele que está começando. E pode aprender com este também, porque não? Os saberes são tantos! :) Nestas escolas, as salas de aula inexistem no formato que conhecemos, muitas vezes nem têm paredes, e ao invés de carteiras tradicionais encontramos outros formatos, agrupamentos, além de sofás, poltronas... o conhecimento é obtido pela pesquisa, que parte do interesse dos próprios alunos, e o professor ajuda no direcionamento, questiona, abre novos pontos de vista, relaciona outras disciplinas àquela que estiver servindo de eixo principal. Ah, mas assim o aluno só vai aprender o que quer! Não! Ele vai querer saber cada vez mais, vai ser desafiado o tempo todo, vai ficar curioso, vai ter que "botar a cabeça para funcionar". :D Não vai ser um elemento passivo, mas ativo. E muito ativo. Mesmo alunos com deficiência intelectual são favorecidos em uma estrutura assim. Porque eles passam a ter voz, a serem desafiados. Precisam sair da "zona de conforto" e ir em busca, tornar-se mais independentes. ;) Os exemplos mais conhecidos talvez sejam as escolas com a metodologia Waldorf, e a Escola da Ponte em Portugal, mas existem muitas outras trilhando estes caminhos, distanciando-se da educação tradicional. 

Sem contar que muitas destas escolas têm usado a tecnologia a favor da Educação. Ao invés de proibirem o uso de tablets e celulares, estimulam. Sem que sejam usados às escondidas, os alunos aprendem a extrair dessas ferramentas, conhecimento. Fazer pesquisas, compartilhar informação. A música pode sair do fone de ouvido para ter relação com a História, com a Língua Portuguesa, e até com a Matemática! :D Num mundo globalizado como o de hoje, onde está se tornando mais fácil encontrar um aluno sem tênis do que sem celular, não há mais como fugir da tecnologia. E como negar que aprender usando computador, tablet, celular, internet, fica muito mais divertido e interessante? ;) Havendo interesse no aprendizado, as distrações deixam de fazer sentido! Há tempo para tudo! 

O que essas escolas têm feito, na verdade, é aproveitar as inteligências múltiplas descritas por Gardner! Porque cada um tem uma forma de aprender, de processar as informações. Não à toa, cada um tem mais facilidade em determinadas disciplinas do que em outras. Mas se souber usar suas habilidades, acabará por conseguir superar as dificuldades a aprender de tudo! :D 

E as escolas que têm mudado sua visão estão observando melhoras no rendimento dos alunos, e em muitos casos são estes alunos justamente que se sobressaem em avaliações do governo (como seria o Enem) frente aos alunos ensinados ainda pelo método tradicional. Como assim? Se não estão habituados a fazer provas, a serem cobrados? o.O Sim, mas eles SABEM as matérias de fato, então torna-se tranquilo demonstrar isso. Não carregam o peso de terem sido cobrados o tempo inteiro, de terem que provar a todo momento se estão realmente aprendendo. Os alunos têm confiança em si mesmos, têm segurança naquilo que conhecem, porque aprenderam de verdade, de maneira consistente. Responder sobre aquilo torna-se natural e, até mesmo, desafiador. E eles já aprenderam que desafios estão aí para serem encarados e superados! ;) Como diz José Pacheco, da Escola da Ponte: "o que fiz por mais de 30 anos foi uma escola onde não há aula, onde não há série, horário, diretor. E é a melhor escola nas provas nacionais e nos vestibulares." E ainda completa: "dar aula não serve para nada. É necessário um outro tipo de trabalho, que requer muito estudo, muito tempo e muita reflexão." Preciso dizer que sou fã de carteirinha desse sujeito??? :D

Ah, mas você está falando de uma utopia! Não!!! Como disse, há diversas escolas, em diversos países, experimentando essas mudanças. Não é algo que ocorre de um dia para o outro, claro que não. Até porquê mudar a mentalidade das pessoas é muito difícil. Estes dias mesmo vi uma reportagem falando que a França está debatendo a abolição das notas nas escolas. De onde está vindo a maior resistência? Dos pais! o.O Como cobrar os filhos sem o boletim??? É complicado para eles perceber que neste sistema não há porque haver tanta cobrança, porque o aprendizado irá acontecer de forma gradual e muito mais tranquila. É outra forma de lidar com as coisas. Então, não é só mexer com a estrutura das escolas, com a formação dos professores, é uma mudança que irá refletir na sociedade como um todo. Mas é necessária, cada vez mais. E aí? Será que você está disposto? ;)

Eu volto.

Andrea

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